quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Arquitectos - II

INICIAÇÃO AO DESENHO PARA UM APRENDIZ DE ARQUITECTO

Do Propósito

No início da formação de um arquitecto, pelo desenho, procura conduzir-se o aprendiz à descoberta do domínio dos instrumentos e das técnicas adequados à expressão das suas ideias, firmando e enquadrando gradativamente a sua postura na sublimação da perspicácia para detecção das subtilezas que caracterizam os mundos, no aperfeiçoamento e sublimação de uma memória selectiva, no desencadeamento de um sentido ético que informe a vida de arquitecto e determine assim a estética e a poética da sua obra futura e, em consequência, na formação de um sentido deontológico para a prática da profissão.

Se, por um lado, o conhecimento do sítio próprio e das condições próprias para a conformação do objecto arquitectónico decorrem do entendimento de uma série de indicadores ou sinais que, graciosamente, o domínio da natureza concede ao arquitecto, habilitando-o a deduzir e a descobrir vias importantes para a solução adequada a cada solicitação específica, sendo de certo modo esse o foco principal das respectivas opções técnicas; facto que leva a que se procure despertar o aprendiz, mediante exemplos concretos, para os efeitos e condicionamentos que a natureza (em especial a circunstância geográfica e o clima) exerce sobre toda e qualquer manifestação humana, principalmente na arquitectura. Por outro lado, se “O homem apreende por imitação as primeiras noções”, conforme diz Aristóteles na sua Poética, o aprendiz deverá ser confrontado com circunstâncias das quais procurará entender as respectivas orgânicas naturais. Interessa assim que o aluno se depare com realidades não dependentes do homem, para que estude, compreenda e descubra a razão das respectivas formas, passando fatalmente a estabelecer e seleccionar hierarquias ordenadoras daquilo que descobriu – consciências que deve guardar em sua memória.

Do Desenvolvimento

As sessões devem incidir na prática de exercícios, pontuados de quando em vez por exposições teóricas, preparadas umas, improvisadas outras emergentes de circunstâncias que assim o exijam.

A sessão inaugural deve consistir numa introdução ao programa, a partir da qual se estabelecem diálogos e se desenvolvem exercícios tendo como finalidade perscrutar a situação de cada aprendiz em relação à vida, à arquitectura e ao desenho. Para o bom e eficiente funcionamento do curso, devem ser expostas algumas regras básicas e ser indicado o material imprescindível a utilizar nas sessões.

O curso deve dar-se de acordo e conforme a sequência de temas que passamos a enunciar:

i) Os Elementos Básicos da Expressão do Desenho

i.i) Sustento Mental e Fundamento Operativo – Sessão teórica, auxiliada por imagens, onde se procuram expor os fundamentos e as práticas da expressão do desenho, assim como as diversas posições mentais e operativas determinantes relativamente ao tema.

i.ii) O Ponto, a Linha e a Mancha – Sessões onde se desenvolvem exercícios de descoberta das potencialidades e aplicações dos elementos básicos da expressão do desenho, experimentando diversos suportes bem como diversos instrumentos de registo – uns “pré-fabricados”, outros improvisados pelo aprendiz.

ii) A Luz

ii.i) A Luz Reveladora dos Mundos – Sessão teórica, auxiliada por imagens, onde se procura despertar para a primazia da luz sobre os corpos que em consequência se revelam na conjugação das respectivas texturas, cores e sombras, expondo os enquadramentos científicos e filosóficos do tema.

ii.ii) As Texturas – Sessões onde se desenvolvem exercícios em que se procura num sentido a compreensão de como as formas epidermicamente se organizam – lisura?… ou polimorfia dos corpos que constituem os mundos?… Noutro sentido procura-se a adequação dos elementos base da expressão gráfica, e tridimensionada, às realidades que desejam representar, assim como visam escolhas e aplicações certas de respectivos suportes e instrumentos de registo.

ii.iii) As Ilusões e as Sombras – Sessões onde se desenvolvem exercícios em que se procura exercitar, treinar e libertar a imaginação do aluno a partir do estudo dos efeitos resultantes da incidência de luz e consequentes sombras sobre os corpos; com estes exercícios procura-se também a adequação dos elementos base da expressão do desenho às imagens que desejam representar, assim como as escolhas e aplicações certas de respectivos suportes e instrumentos de registo.

ii.iv) As Cores – Sessões onde se desenvolvem exercícios de introdução ao entendimento dos fenómenos cromáticos – cor, gradação de luz?… ou gradação de sombra?… as cores e os sons, as cores e as temperaturas, as cores e os cheiros e as cores e os sabores… as harmonias das cores; e ainda onde se procura descobrir os materiais de registo e suporte adequados às cores que se quer representar.

iii) A Geometria

iii.i) “Aqui só entram os que são geómetras” – Sessão teórica, auxiliada por imagens que, partindo da inscrição que Platão colocou à entrada da sua academia, procura despertar e estimular o aluno para a necessidade do exercício, treino e interpretação, no domínio e na observação das estruturas e orgânicas ocultas das formas, ou seja as geometrias que as informam, deformam ou conformam.

iii.ii) Medida – Sessões em que se desenvolvem exercícios que procuram nas expressões das ideias a consciência, o conhecimento e o domínio das respectivas extensões e limites de existência.

iii.iii) Proporção – Sessões em que se desenvolvem exercícios que em articulação sequencial aos anteriores, visam promover o entendimento e a consciência das relações possíveis entre todos os componentes que formam os mundos – entender em cada corpo as relações de medidas em si e com o exterior, e o domínio das escalas como escadas hierarquizantes.

iii.iv) A Perspectiva – Sessões em que se desenvolvem exercícios que procuram capacitar o aprendiz nas possibilidades de representação de intenções tridimensionais sobre suportes bidimensionais – a situação filosófica da perspectiva e as técnicas de representações gráficas possíveis, nomeadamente o entendimento da Luz e as gradações de tons, assim como a consciência das escalas e a importância das formas geométricas e da proporção na definição das formas.

Artes - I

CONTRIBUTO
PARA UM
PROGRAMA DE INICIAÇÃO AO
DESENHO EM
DOIS
ANDAMENTOS
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Principalmente chamo DESENHO aquela ideia criada no entendimento criado, que imita ou quer imitar as eternas e divinas ciências incriadas, com que o muito poderoso Senhor Deus criou todas as obras que vemos,
e compreende todas as obras que têm invenção, ou forma, ou fermosura, ou proporção, ou que a esperam de ter, assim interiores nas ideias, como exteriores na obra; e isto baste quanto ao Desenho.
Francisco de Holanda
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PROPÓSITO

O mundo é todo o tangível e o inteligível ao alcance do homem.
Neste mundo que nos é dado viver, todo o sensível que se nos depara, ou é anterior ao homem e dele não depende, ou é posterior ao homem e dele pendente. Ali vemos a natureza, aqui a arte; esta imita aquela. Toda a arte é análoga à natureza. Só pela filosofia, pela arte ou pela religião, o homem compreende o mundo.

E se a arte é uma árvore frondosa cujas antigas e principais ramificações são o canto, a música, a dança, a pintura, a escultura, a arquitectura, o teatro, a literatura e a poesia, a partir das quais emanam todas as outras menores artes, o desenho é o seu portentoso e pujante tronco. É pela degradação do desenho que a evanescência da arte contribui para a desolação actual do mundo, pelo que se torna imperioso reabilitar o desenho no ensino das artes. Neste sentido procuramos contribuir com um programa genérico destinado ao desenvolvimento e aprendizagem do desenho no ensino das artes. Ao mestre interessado e responsável caberá a adaptação de metodologia, e a aplicação e o uso dos meios que entender mais adequados a fazer desabrochar no aprendiz a expressão livre da sua visão e do seu conhecimento.

Pretende-se que pela actividade que o desenho supõe, o aprendiz desenvolva as suas capacidades especulativas, ou de entendimento, compreensão e reflexão de imagens.
Queremos significar a imagem como a expressão, na mente, de uma ideia, portanto “cosa mentale” segundo a expressão consagrada. Diz-se da ideia o que em cada indivíduo se anuncia como original e que o motivará no sentido da verdade. O entendimento corresponderá à possibilidade, abertura e capacidade, em cada indivíduo, para a formação de uma ideia; a fixação, a articulação e a concentração dos dados para a possível definição da ideia, a isso chamamos compreensão; à projecção, configuração e materialização da imagem chamamos reflexão. O desenvolvimento destas três actividades processar-se-á gradativa e organicamente do entendimento até à reflexão, não sendo, pois, possível a reflexão sem a compreensão, nem a compreensão sem o entendimento. Neste sentido o entendimento é um dom. A este acto que pressupõe uma duração temporal, chamaremos especulação; à actividade perene de que esse acto depende e se suporta chamaremos pensamento. No pensamento artístico a matéria será o sensível que finalmente pode admitir, moldar e abrigar a ideia na forma de imagem, pois as imagens é que são o conteúdo desta disciplina. Neste sentido, advém como objectivo da aplicação deste contributo programático habilitar o aprendiz com as técnicas de representação ou de desenho que lhe sejam acessíveis.

DESENVOLVIMENTO

O programa de desenho será desenvolvido em dois andamentos sucessivos: o primeiro, Desenho I, tratará da compreensão das formas da natureza, a fim de habilitar o aprendiz a imaginar as realidades que o cercam; o segundo, Desenho II, tratará da compreensão das formas da arte, tendo como finalidade e em sucessão articulada com o andamento anterior, habilitar o aprendiz a conhecer as representações que essas realidades tiveram na história das artes.
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PROGRAMA

Desenho I

Motivo

Compreensão das formas da natureza, em desenvolvimento gradativo, do mais bruto ao mais sublime.

Unidades Temáticas

São quatro as unidades temáticas a desenvolver na seguinte sucessão:

1ª Estudo dos Minerais;

2ª Estudo dos Vegetais;

3ª Estudo dos Animais;

4ª Estudo do Homem.

Para cada ente dado a estudar em cada uma das unidades temáticas, será desenvolvida uma abordagem às suas seguintes características:

- Medida (sua extensão no real);

- Proporção (relação de medidas em si e com o exterior);

- Luz (ilusões, sombras e cores);

- Inserção (situação de emergência na natureza);

- Desenvolvimento (movimento e adaptação à natureza);

- Destino (possíveis consequências naturais ou artificiais).

Para cada ente dado a estudar em cada uma das unidades temáticas, o aprendiz poderá ser estimulado a organizar a sucessão da sua abordagem pela ordem seguinte:

1º - Procura – Período em que irá dar-se a definição progressiva da ideia inerente àquilo que está em estudo, por meio de registos introvertidos;

2º - Objectividade – Período adequado á projecção e exposição conclusiva do que estudou, por meio de registos extrovertidos que permitam uma leitura objectiva do que se pretende expressar;

3º - Subjectividade – Período correspondente à projecção e exposição conclusiva do que estudou, mostrando uma perspectiva subjectiva do que se pretende.

Desenho II

Motivo

Compreensão das formas da Arte enquadradas nos diversos géneros artísticos e considerando as respectivas obras como imagens no sentido que definido nas palavras de introdução. Este andamento do curso segue como complemento de Desenho I.

Unidades Temáticas

Consideremos nove géneros artísticos e a cada um façamos corresponder uma unidade temática. Assim, sendo as seguintes as nove unidades temáticas deverão as mesmas desenvolver-se na sucessão que também segue:

1ª - Estudo do Canto;

2ª - Estudo da Música;

3ª - Estudo da Dança;

4ª - Estudo da Pintura;

5ª - Estudo da Escultura;

6ª - Estudo da Arquitectura;

7ª - Estudo do Teatro;

8ª - Estudo da Literatura;

9ª - Estudo da Poesia.

Pretende-se pois que o aprendiz seja estimulado a descobrir as regras possíveis para a elaboração das obras em cada uma destas artes, com especial relevo para aquelas em que a representação é visual; será estimulado a descobrir como a matéria ou o sensível, especialmente o visual, condicionam a obra de arte; e ainda a descobrir as regras desse condicionamento.