domingo, 28 de outubro de 2007

O Guardador das Rotas e das Rótulas – VIII

A Tourada


Temos que o touro bravo existe para proteger determinados territórios que constituem fontes de vida para certas comunidades. Territórios organizados por definida composição humana, cujas as funções dos elementos se supõem em hierarquias claramente organizadas, compostas em harmoniosa articulação. Entre essa gente, o touro bravo atinge foros de expressão sagrada, pois que garante a defesa contra a intrusão de malfeitores nos seus territórios, domínios ancestrais das suas vidas.

A sublimação, o ponto alto da exaltação do animal surge nos extremos pendulares das estações do ano com a transumância do gado em busca de zonas climáticas mais adaptáveis ao seu bem estar e onde na época poderão dispor de pastagens adequadas às suas necessidades. Esses extremos, de partida e chegada do gado, nos quais o bovino assume lugar especial, proporcionam a festa em que a exaltação máxima ocorre dentro da arena com a lide dos touros bravos. O cavaleiro, qual S. Jorge sobre cavalo branco saído da luz para o círculo que define a arena – imagem geométrica do caos – que com inteligência de aristocrata deve dominar e levar a besta, a fera, a força bruta desprovida de pensamento e saída da sombra, para o centro onde deixará cair a lança sobre o dorso do animal, metamorfoseando a arena conferindo-lhe finalmente a forma de circunferência, deixando então simbolicamente fixada a ideia do Cosmos, qual mundo devidamente ordenado.

A lide de touros é o tributo regular dos homens ao animal que guarda as fronteiras de um território necessário à existência de uma comunidade humana. O touro, forte, sóbrio e assustador coroa uma espécie que tem oferecido aos homens desde o início os fertilizantes para as culturas dos seus territórios, a força bruta para puxar os arados e arrastar as cargas que excedem as possibilidades humanas, o leite e a carne que possibilitam a reposição obrigatória e regular das proteínas no organismo humano, as peles para os coiros e cabedais destinados à indumentária e outros artefactos úteis à sobrevivência humana, a irradiação de calor aos lares, fonte ancestral de aquecimento das antigas habitações rurais, aliás, fonte arquetípica de calor, logo presente na natividade de Jesus.

A tourada afigura-se racional, necessária e decisiva para a preservação da paisagem portuguesa. O touro português é o guardador das fronteiras entre a civilização do mar e as potências colonizadoras continentais. É o touro o primeiro reduto da defesa da nossa civilização. É entre os cabanos e os gravitos que passa a linha que distingue profundamente a civilização aberta, excêntrica, destemida, liberal, dos portos, ou Portugal e a civilização enclausurada, egocêntrica, receosa, proteccionista dos castelos, ou Castela. A erradicação da tourada, significa o extermínio dos touros, e o extermínio dos touros significa a explosão caótica da Península Hispânica. A paisagem da tradição portuguesa, que exprime a sabedoria de encontro ecuménico, de relações liberais, e de tendência universal no convívio entre homens das mais diversas proveniências metafísicas, intelectuais, genéticas e biológicas, tenderá a desmoronar-se definitivamente.

A tourada é a festa rústica de primeira ordem da Pátria Portuguesa, na qual se exalta o animal que é decisivo para a sobrevivência da nação em que o espírito que dá sentido a Portugal primeiramente encarnou. As ganadarias nacionais são a guarda avançada da civilização talássica e o touro afigura-se como o guarda-mor da paisagem portuguesa lusitânica (se é que Portugal ainda mora aqui…).

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